Por Guilherme de Amorim Ávilla Gimenez
Acabo de ler a notícia do suicídio do pastor Lisandro Canes da Igreja Nova
Vida em Rio Grande (RS) na última segunda-feira, 23 de setembro de 2019. Já
perdi a conta de quantos colegas pastores se suicidaram nesses últimos anos.
Esse caso, em especial, me chamou muito a atenção. Lisandro há poucos dias
atrás comentava em seu Facebook sobre o suicídio de um outro pastor, Jarrid
Wilson, ocorrido alguns dias antes. Em seu comentário ele declarou: “Eu
admito que nunca em toda a minha vida eu fiz algo tão esgotante e cansativo
como pastorear. Nenhum trabalho ou responsabilidade consumiu mais as minhas
energias e minha saúde do que liderar uma Igreja. Como pastor posso dizer que a
Igreja precisa urgentemente se preocupar com o descanso e a saúde dos seus
pastores.” Ao encerrar seu comentário ele faz um apelo: “Querido
cristão, não abra mão de um tratamento digno com os seus pastores. Somos
iguaizinhos a vocês. Se enfiarem uma faca em nós, sangraremos. Se nos
machucarem sentiremos dor. Antes de pensar no pastor como um super-homem,
lembre-se que existe um ser humano a Imagem de Deus atrás do púlpito. Um ser
humano igualzinho a você. Que Jesus levante uma Igreja onde cuidar dos pastores
não é opção, mas sim fundamental”. Tais palavras para mim foram um grito de
socorro que ecoou pelas redes sociais. O pastor Lisandro sucumbiu ao
esgotamento e cansaço da função pastoral. Jarrid Wilson, dias antes, também. Vários
outros pastores, sofrendo as mesmas pressões, acabaram por tomar a drástica
decisão de tirarem a própria vida. Por mais incômodo que isso seja para nós
todos, é uma realidade que precisa ser encarada de frente. Por sua gravidade,
ela tem motivado estudos, pesquisas e debates sobre a saúde mental e emocional
dos pastores.
O Instituto FASICLD (The Francis
A. Schaeffer Institute of Church Leadership Development), dos Estados Unidos, tem
liderado pesquisas acerca da saúde mental de líderes religiosos nos Estados
Unidos. Alguns dados colhidos em pesquisa realizada diretamente com os pastores
são alarmantes: 70% dos pastores lutam constantemente com a depressão, e 71%
estão “esgotados” física e mentalmente. Ainda de acordo com esta pesquisa, 80%
dos pastores acreditam que o ministério pastoral afeta negativamente suas
famílias e 70% dizem não ter um amigo próximo (Portal Raízes. Setembro de
2019).
No documento “STATISTICS ON
PASTORS: 2016 UPDATE” produzido pelo mesmo instituto outros dados revelam o
estado emocional em que líderes religiosos se encontravam em 2016: “35% dos
pastores lutam constantemente contra a depressão, 43% se dizem estressados, 34%
sentem-se “sempre desencorajados”, 24% acham que seu trabalho tem efeito
negativo na família e 58% dizem não ter amigos bons e verdadeiros. 50% lidam
com algum problema de saúde e mais da metade (52%) sentem-se incapazes de
satisfazer as expectativas da igreja. Esses são dados de 2016 e aparentemente a
situação não melhorou. Pelo contrário, no mundo inteiro os casos de depressão
aumentaram e isso por certo atingiu também os pastores e líderes religiosos.
Não temos pesquisas brasileiras
sobre a situação dos pastores, mas ouso dizer que os pastores brasileiros não
estão em situação melhor que a dos norte-americanos. A situação exposta acima
tem gerado pela primeira vez a discussão desse tema entre os próprios pastores
e nas igrejas. Palestras tem sido feitas, programas de aconselhamento
oferecidos e há uma preocupação das diferentes denominações evangélicas e suas
respectivas organizações – Ordens de pastores – em dialogar e mostrar preocupação
pela saúde mental e emocional dos pastores. Essa é a primeira resposta e digna
de reconhecimento e elogio. Mas creio que não seja suficiente. De algum modo as
igrejas precisam ser alertadas sobre o cuidado para com os pastores. É lá na
igreja local onde está o problema. É lá que sentimentos como os do Pastor Lisandro
Canes afloram e geram a dor que leva um defensor da vida a tirar a sua própria.
O ser humano chamado ‘pastor’
precisa de cuidado. Ao lidar com as mais variadas situações e atender os mais
diferentes problemas, seu desgaste emocional é muito grande e por vezes nem ele
percebe o quanto está enfermo de suas emoções e o quanto precisa de ajuda.
Sabemos que esse processo de ajudar não é simples e inclusive exige que o
pastor queira ser ajudado, o que nem sempre acontece. Mas, existem algumas boas
práticas que ajudam indiretamente e promovem o bem-estar emocional dos
pastores. Tais práticas não exigem profissionalismo e sim amor, preocupação e
atenção por parte da igreja. Talvez esteja na igreja a receita de saúde para os
pastores.
Proponho algumas ações que
líderes de nossas igrejas podem desenvolver. Não é uma lista grande, poucos
itens já são importantes e atuarão como remédio na vida do pastor e outros
ministros dedicados integralmente ao ministério. Tais ações são propostas a
partir da observação pessoal, de conversa com pastores e da minha própria
pesquisa veiculada no livro de minha autoria A Crise no Ministério Pastoral:
Alternativas de diálogo entre a vocação e as crises ministeriais (Credo
Ediciones. 2019).
1. Escolha de um representante
da igreja que acompanhe o pastor
Pastores não precisam de juízes
ou críticos oficiais, eles já os têm em abundância. Pastores precisam de
amigos, parceiros, pessoas com quem possam se abrir e compartilhar suas dores e
até mesmo necessidades. Ainda que esse seja um movimento espontâneo, de amizade
e afinidade, proponho que a igreja tenha alguém que constantemente converse com
o pastor, que se responsabilize por verificar como ele está e quais são as
necessidades que porventura lhe preocupem. É difícil para os pastores se
exporem e pedirem ajuda, ou então compartilharem questões mais íntimas, por
isso alguém que tenha a iniciativa ajudará bastante nesse processo. Uma pessoa
discreta, amiga, que entenda a humanidade do pastor e tenha um olhar cuidadoso será
uma bênção na vida do pastor e família, podendo se antecipar às necessidades ou
condição emocional que indiquem a urgência de ajuda e ação da igreja para com
ele.
2. Valorização pública do
pastor
Pastores não precisam e não
querem fãs e nem bajulação. Mas, isso não significa que não precisem e queiram
valorização. O mundo corporativo tem investido cada vez mais na valorização de
seus funcionários por perceber que o reforço emocional positivo produz efeitos
fantásticos em produtividade e compromisso. A valorização do pastor traz
efeitos semelhantes. Por sua posição pública, a valorização deve igualmente ser
pública. Uma palavra de encorajamento, um mimo, um reconhecimento que custe
caro à igreja darão ao pastor a sensação de que ele é importante, e que vale a
pena seu desgaste em favor do Reino e daquelas pessoas a quem ministra.
Infelizmente algumas igrejas foram doutrinadas a não valorizarem seus pastores
para que não se tornassem “vaidosos.” Se um ou outro pastor se torna vaidoso,
isso é uma fraqueza emocional daquele pastor em particular. Pastores precisam
do reforço emocional positivo para que se sintam reconhecidos, e isso não é
pecado, antes, uma demonstração de amor, que tem efeitos não apenas na vida do
pastor, mas de toda a sua família. Datas comemorativas, participação em eventos
de valor não apenas teológico, mas também lúdico, podem gerar um entusiasmo que
se transformará em benefícios para a própria igreja local.
3. Oferecer Segurança ao
Pastor
Na pirâmide de hierarquia das
necessidades de Maslow encontramos na base as necessidades fisiológicas. Logo
em seguida temos a necessidade de segurança, e aqui algumas igrejas já falham
por não atentarem para pequenos detalhes que fazem toda a diferença. Ninguém –
nem mesmo o pastor – trabalha com alegria e entusiasmo se sentir-se inseguro. E
muitas igrejas sem perceber criam um ambiente de insegurança constante ao
pastor – e até para sua família – quando por meio de exigências descabidas e
críticas excessivas fazem o pastor cobrar-se constantemente e encher-se de
culpa por tudo, levando-o a pensar se na próxima assembleia ou reunião da liderança
será demitido. Alguns pequenos gestos podem dar ao pastor muita segurança no
desempenho do ministério. Oferecer um feedback amoroso e respeitoso, poupar o
pastor de desgastes desnecessários, trabalhar lado a lado em parceria e outras
pequenas ações dão segurança. E aqui vale a pena lembrar das condições de
trabalho. A igreja deve ser educada a dar o melhor para o pastor e não o pior.
Honrar o pastor nesse sentido é valorizar o ministério pastoral e o homem
pastor.
4. Reconhecer a humanidade do
pastor – Desconstruir o mito e construir uma referência ministerial
Pastores não são anjos: são
pessoas. Eles acertam e erram. São falhos, mas também realizam coisas
incríveis. São como qualquer outro ser humano. Sua chamada e vocação não os
transforma em seres “ultra-humanos” ou “sub-humanos.” Quando a igreja reconhece
a humanidade do pastor a partir de seus líderes, ela pode finalmente
desconstruir o mito pastoral – que não é ensinado na Bíblia – e construir uma
referência ministerial, destacando a figura do servo dedicado e que ouve a voz
de Deus, servindo-o com alegria. Reconhecer essa humanidade esbarrará em
atitudes práticas como entender os limites de um ser humano no trabalho. A
liderança pode – e deve – ensinar a igreja que pastores também precisam de horário
para suas rotinas pessoais e de sua família. É bem verdade que parte da culpa
do mito pastoral é dos próprios pastores, que não tiveram a coragem de admitir
sua humanidade. Quiseram ser mais fortes do que o próprio Jesus, que se fez
homem e abraçou a humanidade em toda sua realidade. Esse é um trabalho lento,
depende do pastor e liderança, mas pode ser construído em um ambiente de amor e
graça.
5. Construção de um ambiente
de graça
Não é utopia desejar um ambiente
de graça entre pastor, liderança e igreja. Isso é o ideal e o que se espera
entre irmãos. Um ambiente de amizade, companheirismo, amor cristão e parceria.
Pastor e liderança não são adversários, estão do mesmo lado e por isso devem
construir um ambiente favorável ao trabalho em conjunto. O que se vê em muitas
igrejas é um ambiente hostil, marcado por reuniões tensas e discussões
recheadas de acusações. Há casos em que pastores vão para assembleias de igreja
ou reuniões de liderança em um estado de total estresse porque sabem que o
ambiente será de “guerra santa” e não graça. Em um ambiente de graça é possível
conversar sobre tudo, fazer avaliações profundas sobre qualquer assunto e tomar
decisões dificílimas. E isso sem ferir, sem acusar, sem maltratar o outro. Há
casos e mais casos de pastores que foram agredidos verbalmente e sofreram
bullying (isso mesmo, essa é a palavra correta) por parte de líderes e irmãos
da igreja. A liderança não pode permitir o massacre emocional do pastor e sua
família e muito menos promover isso. Um ambiente de graça dá ao pastor e igreja
a estrutura necessária para trabalharem de maneira sinérgica, entrosada e
frutífera.
6. Tratar as doenças
emocionais sem preconceito
Se o pastor apresentar sinais de
depressão, então é momento de a liderança agir com rapidez, auxiliando-o na
escolha de um profissional adequado e oferecendo ajuda, companheirismo e
compreensão. Vários pastores esconderam a depressão por muito tempo e quando
foram se tratar já era tarde demais. A liderança da igreja não deve esconder a
enfermidade do pastor nem tão pouco expor as fragilidades do pastor em público.
Um período de licença pode ajudar nesse processo. E absorver tarefas pastorais
também ameniza o peso desse momento. Tratando-se adequadamente, o pastor
experimentará cura e poderá novamente seguir em seus desafios ministeriais.
Em pleno “Setembro Amarelo”, mês
de conscientização sobre o suicídio, a igreja é desafiada a considerar a
realidade de vida de seus pastores, enxergando-os como seres humanos e
oferecendo aquilo que qualquer ser humano precisa: o companheirismo de outro
ser humano. E, em nosso ambiente de igreja, somemos a isso a verdadeira
comunhão cristã, o verdadeiro amor e “a paz de Deus, para a qual também fomos chamados
em um corpo” (Colossenses 3:15).
De um pastor preocupado com seus
colegas e consciente de sua humanidade,
Guilherme de Amorim Ávilla Gimenez
prgimenez@prgimenez.net
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